A odisseia do cliente através das centrais de atendimento ou nos contatos com vendedores – seja pessoalmente, por telefone ou por meio digital – tem sido objeto de humor em diversas ocasiões, tamanha a frustração que gera.
Vejam, por exemplo, as diversas abordagens da turma do “Porta dos Fundos” nessa playlist: https://www.youtube.com/playlist?list=PL-BREyaH6LeqW0yfApvpWOpxxzkErvKuz .
Embora as empresas expressem sua preocupação com o tema, continuamos tendo uma coleção de experiências negativas, o que gerou até a proliferação de sites como o https://www.reclameaqui.com.br/ . Esses sites surgiram da dificuldade encontrada pelos consumidores e clientes para superar os bloqueios das centrais de atendimento em geral para encontrar a forma adequada de solucionar suas insatisfações com o serviço prestado ou produtos adquiridos.
Recentemente tive duas experiências terríveis, uma junto a uma importante operadora de telecomunicações (com quem tenho serviços de TV a cabo, telefonia e internet) e outra junto ao um grande banco de varejo, bastante respeitado, com quem tenho dois cartões de crédito (não sou correntista). As duas experiências negativas tiveram as mesmas características, ambas ocasionadas pela minha mudança de residência, do Rio de Janeiro para São Paulo.
No primeiro caso, com a operadora de telecomunicações, antes da nossa mudança, meu marido fez contato por telefone com a empresa para encerrar o contrato e marcar a retirada dos equipamentos. Nesse contato, disseram a ele que a empresa havia se modernizado e que o contrato poderia ser migrado para São Paulo, bastando que levássemos conosco os equipamentos e solicitássemos a instalação. Simples assim!
Acreditamos nessa informação e foi aí que começou nosso calvário junto à empresa. Ao pedirmos a instalação, eles informaram que precisariam usar o meu CPF ao invés do dele, pois o sistema estava apresentando um problema e não estavam conseguindo fazer a programação de instalação. Ele forneceu meu CPF e foi só depois da instalação feita que descobrimos que, em lugar de migrar nosso contrato, a empresa criou uma nova assinatura, mantendo ativa também a assinatura antiga. Começamos o processo de reclamação, escalando até a Ouvidoria da empresa, sem sucesso. Foi apenas quando comentamos sobre o problema com um conhecido nosso, cuja esposa trabalha no núcleo de recuperação de clientes da dita empresa, que conseguimos resolver nossa questão. Mas isso depois de mais de 20 reclamações, por escrito, e mais de um mês de contatos diários, até que houvesse a intercessão do núcleo de recuperação de clientes, ao qual chegamos por mero acaso.
A segunda experiência foi com o banco. Precisei alterar meus dados cadastrais em razão da mudança de residência. Telefonei para a central de atendimento e tudo foi feito, de forma fácil, aparentemente. Até que precisei fazer uma determinada transação que requeria o envio de um SMS para meu celular. Aí complicou tudo! O telefone celular antigo continuava cadastrado para receber SMS. E não era possível alterar de jeito algum! Tentei vários contatos com o banco, chegando mesmo a ir pessoalmente a uma agência, apenas para ouvir da gerente que me atendeu que a melhor opção seria cancelar o cartão (que já tenho há mais de 20 anos).
Há cerca de 40 dias estou em contato com vários setores de atendimento desse banco, sem sucesso. Para conseguir escalar e chegar à Ouvidoria, foi necessário arriscar um e-mail usando um endereçamento ao acaso. Dei sorte, pois esses endereços de e-mail são formados quase sempre da mesma maneira. Desde que fiz contato com a Ouvidoria, estou sendo muito bem atendida. Mas ainda não conseguiram resolver o problema (de TI, e aparentemente de solução complexa).
Isso me leva a enumerar alguns desafios que, na minha visão, precisam ser tratados pelas empresas que querem realmente prestar um bom serviço de pós-venda ao cliente, evitando sua perda em razão da frustração encontrada no processo de atendimento:
- Abrir caminho para que o cliente ultrapasse os bloqueios de sistema até chegar a um atendente humano (quando se necessita de atendimento pessoal) – Observe-se que não se consegue, por exemplo, fazer nenhum tipo de contato com o nível seguinte sem estar de posse de um protocolo de atendimento. No caso da minha relação com o banco, como o sistema está com um problema, não gera o protocolo de atendimento. Assim, ficaria girando em círculos, num “loop” infinito, se dependesse das regras estabelecidas pela empresa. Para solucionar esse tipo de armadilha, é preciso abrir canais mais amigáveis com o cliente, com formas mais inteligentes de verificar se as reclamações são legítimas (é por isso que normalmente se exige um protocolo de primeiro atendimento para que se passe ao nível seguinte). A tecnologia já permite fazer perguntas mais elaboradas e “aprender” com as respostas, mesmo na fase do atendimento virtual – existem modos incríveis de usar a inteligência artificial e o processo de “machine learning”;
- Dotar os atendentes de autonomia suficiente e instrumentação adequada para solucionar os problemas apresentados pelo cliente – Quando o cliente já passou do atendimento virtual e está em contato com uma pessoa, muitas vezes é necessário convencer o atendente a escalar na hierarquia da central de atendimento, pois as empresas não dão autonomia aos atendentes de primeiro nível para solucionar as questões apresentadas. Além disso, trabalha-se normalmente com “scripts” muito pouco elaborados, que não preveem adequadamente um número amplo de questões. De novo podemos recorrer à tecnologia para melhorar a experiência do cliente. É possível usar ferramentas de análise preditiva, inteligência artificial, boas plataformas de CRM, para desenhar “scripts” de atendimento melhores;
- Selecionar com mais cuidado os prestadores de serviço de atendimento ao cliente – No processo de atendimento, verificamos que os prestadores de serviço nem sempre se dispõem a ouvir o cliente e ter a certeza de que o que entenderam durante a formulação da questão é o que o cliente precisa, antes de iniciar o processo de solução do problema. Além disso, os atendentes nem sempre têm o nível de inteligência emocional requerido para o processo de atendimento. Acabam perdendo a paciência (e a linha, muitas vezes) e barram qualquer tipo de comunicação. E aí, nada de solucionar problemas, o que gera irritação e frustração nas duas partes (cliente e atendente).
Em resumo, precisamos repensar o processo de atendimento ao cliente, como um todo, desde a abordagem de venda até o processo de pós-venda. Nos anos 1990, autores como Jan Carlzon, Ron Zemke e Karl Albrecht, dentre outros, abordaram com profundidade a questão do serviço ao cliente. Parece que, com o progresso da tecnologia, que nos permitiria aperfeiçoar o serviço, acabamos nos esquecendo dos conceitos fundamentais que cercam o tema, ou seja, que mesmo quando está sem razão, o cliente é fundamental para a sobrevivência da empresa e deve ser tratado com muito cuidado e respeito, para que continue fazendo negócios conosco. Afinal, ele é a razão da nossa existência.
Proponho pensarmos sobre esse tema e peço aos leitores que, em comentários, sugiram ações que melhorem a interface entre a empresa e o cliente, para manter sempre alto o nível de satisfação.
Até a próxima!
Márcia B. Cirihal de Lima